Dia 16 de Fevereiro de 2010
Acabo de chegar à Arábia Saudita. É sexta-feira e são, sensivelmente, 11:50. Custou-me largar a minha família, os meus amigos, mas tive de o fazer. A proposta era irrecusável. Trabalharia para um grande chefe duma agência petrolífera, a receber um bom ordenado. E sempre posso visitá-los nas férias e falar com eles todos os dias pois as novas tecnologias permitem-no.
Está calor e, por isso, estou de t-shirt e calções. Apesar do grande calor (deve andar por volta dos 39ºC), as mulheres estão com compridos véus negros a cobrir-lhes o rosto, apenas deixando à vista os olhos. Neles, consigo detectar alguma infelicidade. Pergunto ao meu guia porque andam elas assim. Ele diz-me que as mulheres apenas podem mostrar o corpo ao seu marido.
Ando pelas ruas e vejo uma mesquita. O guia diz-me que está quase na hora da oração pública e ele, como era muito devoto à religião, tinha de rezar, pedindo-me para o acompanhar e, deste modo, conhecer mais um pouco da sua cultura. Eu aceito o convite.
Durante o caminho até à mesquita, ele diz-me que após a oração pública irá realizar-se o khutbah.
Ele explica-me que o khutbah não é um sermão religioso, mas sim um discurso onde se aprofundam as questões políticas, sociais e morais que dizem respeito à comunidade islâmica.
A adesão é enorme, como deduzi, pois sabe-se que os árabes são muito religiosos, chegando até ao fanatismo.
A reunião termina e vamos almoçar. Eu peço carne de porco ao empregado e ele quase que me mata ali, ameaçando-me com uma faca. O meu guia, mostrando sangue-frio, levanta-se e começa a falar com ele, explicando-lhe que eu era um turista e do país de onde eu vinha era muito frequente comer-se carne de porco.
Ele lança-me um olhar fulminante e diz para sairmos imediatamente do estabelecimento.
Saímos e eu peço desculpa ao guia por tê-lo colocado naquela situação. Ele esboça um sorriso e diz-me que, para a próxima, eu devo pedir peixe.
Encontramos outro restaurante e entramos. Eu sigo a recomendação do guia e peço peixe.
Após o almoço, vou falar com o meu futuro chefe, um senhor de uma idade avançada, a quem chamam de Xeque Muwafaqq.
Ele faz-me a proposta, apresenta-me o papel do contrato. Eu leio atentamente e assino.
Dia 16 de Agosto de 2010
Passados 6 meses, a minha vida é totalmente diferente.
A religião, que antes não tinha qualquer importância, passou a ser a coisa mais importante para mim. Assisto a todas as reuniões na mesquita, respeito todas as horas de oração. Converti-me ao islamismo talvez por medo de ser excluído, talvez por ver aquela grande fé.
Também fiquei mais machista. O poder que os homens têm sobre as mulheres na Arábia é imenso. Elas fazem tudo o que quisermos, como se de animais de estimação se tratassem.
A minha humildade desapareceu, dando lugar à arrogância e a uma superioridade que nunca antes tinha sentido.
Não contacto a minha família já há algum tempo pois, agora, considero-os inferiores a mim por serem de outra religião. Em certa parte, são meus inimigos.
O poder transformou-me. Agora sou tudo o que nunca pensei ser, o que odiava que as pessoas fossem: um ser machista, arrogante, que usa o poder para ter tudo o que quer e que submete os outros aos seus desejos.
Há 6 meses atrás, considerar-me-ia um ser repugnante. No entanto, sinto-me bem com o que tenho, com o que sou. Nunca pensei que a cultura pudesse mudar tanto os interesses e a personalidade das pessoas, mas parece que estava errado.
Sem comentários:
Enviar um comentário