sexta-feira, 30 de abril de 2010

Nietzsche e o sofrimento

“ A todos com quem realmente me importo, desejo sofrimento, desolação, doença, maus-tratos, indignidades, o profundo desprezo por si, a tortura da falta de autoconfiança e a desgraça dos derrotados.”
Friedrich Nietzsche


Perante tal afirmação, á primeira vista, diríamos que Nietzsche era louco ou algo parecido. No entanto, se nós (seres humanos) deixássemos de parte o nosso lado robótico de interpretar palavra a palavra, veríamos que Friedrich não está de todo incorrecto.
Friedrich Nietzsche acreditava que todos os tipos de sofrimento e fracasso deveriam ser bem-vindos no caminho para o sucesso (a felicidade) e vistos como desafios a serem superados, e também considerava os infortúnios como algo vantajoso na vida.
Se pensarmos bem, todos nós temos fases menos boas nas nossas vidas. Todos temos fracassos e dificuldades que nos parecem intransponíveis, o que não faz de nós alguns coitados. E quando isso acontece, muitas vezes a nossa vontade é de desistir, mas a melhor forma de os ultrapassar e de alcançar o que queremos, é enfrentá-los ‘pelos cornos’.
A essência da filosofia de Nietzsche é uma ideia simples: dificuldades são normais. É sintomático que, em sua visão, para conquistar algo que valha a pena, o homem tenha de fazer um grande esforço, e que toda a conquista é fruto de luta e esforço constantes, embora imaginemos o sucesso como algo fácil e natural para algumas pessoas.
“Não falem de dons ou talentos inatos”, “ podemos enumerar muitas figuras importantes que não tinham talento, mas que conquistaram o seu mérito e transformaram-se em génios”. Elas, apenas, “fizeram isso, superando dificuldades”.
Se não fossem de tal modo: Como é que saberíamos que algo valeu a pena? Quando é que nos sentiríamos realizados? Quando é que sentiríamos o sucesso? Quando é que nos sentiríamos felizes? Qual seria o valor de termos coisas fáceis? Qual seria a recompensa de tanta dor?
Pois, o sofrimento que sentimos é, apenas, a distância entre aquilo que somos e aquilo que realmente idealizamos ser.
Mas Nietzsche achava que não bastava sofrer, porque se esse fosse o único requisito, sofrer pelas nossas dificuldades, então todos nós seriamos felizes.
O segredo, dizia ele, para o sucesso (a felicidade) era saber reagir bem ao sofrimento, transformando-o em coisas belas, ou seja, pegar em situações horríveis (ou que nos parecem como tal) e fazer nascer algo belo a partir delas.
Mesmos os nossos sentimentos mais negativos, podem dar belos frutos, se bem cultivados, porque isso só depende de nós próprios.
Exemplo:
A inveja pode gerar só amargura. No entanto, se soubermos conduzi-la de forma certa, então, esta pode estimular-nos a disputar com um rival e produzir algo maravilhoso.
Ou
Uma pessoa com cancro ou como uma doença letal e sem cura, nunca deve desistir, pois, quando receber a notícia de que está curada e de que toda a sua luta e tristezas valeram a pena, esta desfrutará de uma felicidade inesgotável, e aprende a ser mais madura e imparável.
Ou
A ansiedade pode nos levar ao pânico, mas também nos pode levar a uma análise do que está errado, gerando, assim, paz de espírito.
Portanto, “considerar o sofrimento como algo mau a ser abolido” é o “cúmulo da idiotice”, porque nem tudo o que nos faz sofrer, tem de ser necessariamente mau, nem tudo aquilo que nos dá prazer tem de ser necessariamente o que nos faz bem. Pois, são as nossas preocupações e o nosso sofrimento que nos encaminham para virar o mundo de pernas para o ar e, mudar a nossa vida para melhor.
Em suma, o que Nietzsche queria dizer é que “é num ápice que se desfruta de um boa vista, mas que para chegar até lá é difícil”, ou seja, que esta vida é arriscada, e quando se quer algo, é necessário ir á luta. E quem vai á guerra ‘dá e leva’.

Nietzsche e o Estado

“ O Estado é o mais frio de todos os monstros frios; mente friamente e eis a mentira que escorrega da sua boca: ‘ Eu, o Estado, sou o Povo’.”
Nietzsche


Após a leitura da afirmação do Canto «DO NOVO ÍDOLO» devo frisar que o Estado é uma nação politicamente organizada, com o objectivo de regulamentar e proteger os seus cidadãos, através da promoção dos valores democráticos.
Segundo Nietzsche, o Estado foi criado com o fim de supra-valorização da sociedade, com o objectivo da conquista, do poder e de elevar a sua superioridade enquanto sociedade.
O que o levou a equipará-lo a um “monstro frio” que nasce em situações terríveis, como a guerra e a discórdia, tornando-se, assim, segundo Kant, esta criação numa ACÇÃO CONTRA O DEVER (destituída de valor moral).
O Estado existe para muitos e devora, indistintamente, bons e maus. Onde, no Estado, os homens procuram o dinheiro como alavanca que os há-de elevar ao poder, trepando uns sobre os outros, arrastando-os, assim, para o abismo. Pois, o homem não existe para o Estado, mas é este que existe para o homem.
Para além do mais, o Estado identifica-se, aqui, como o Povo, que o representa como uno. Porém, o carácter pluralista da filosofia de Nietzsche impede-o de considerar que o povo seja uma entidade una, ou seja, não se pode identificar a multiplicidade, característica do meio social à unidade do Estado.
Por outro lado, Nietzsche refere que “ o monstro frio” é falso e podre; «mente em todas as línguas do bem e do mal; é mentira tudo quanto ele diz e é mentira tudo quanto ele tem».
Portanto, esta afirmação de Nietzsche crítica o Estado. Da qual eu concordo, pois, como se vê em prática, depois das eleições, os políticos não cumprem as suas “promessas”. E só quem está no Estado, apenas pretende poderio, dinheiro e bens materiais, colocando o interesse pessoal acima do interesse geral, o que contraria a Teoria de Justiça de Rawls, que deveria existir num Estado, em que ‘ o bem colectivo é superior ao bem individual’.
Em segundo lugar, o Estado não poderia ser o povo, na medida em que este não pode administrar um governo, pois, se isso acontecesse, o estado era desregrado.
Infelizmente, este “monstro frio” é nosso contemporâneo, o que leva a indagar que nós somos apenas uns primatas a viver impávidos e serenos, num utópico ‘bem-estar’ e que, apenas, contemplamos passivamente tudo aquilo que nos rodeia. Mesmo sabendo que é com a comunicação, com as relações livres entre cidadãos e com a contraposição que o conhecimento se alarga, permitindo um desenvolvimento na sociedade em geral, criando, assim, um bem-estar real e colectivo.

Ética, direito e política: A justificação contratualista de Locke

A filosofia do direito e a filosofia política são áreas profundamente ligadas à ética. A ética trata, em termos gerais, da questão de saber como viver. Ora, o facto de vivermos em sociedade, levanta a questão de saber como a devemos organizar.
As sociedades regem-se por várias instituições legais; por isso, é importante saber como se justificam essas instituições e compreender a relação entre as leis e a moral. Assim, nestas três disciplinas discute-se problemas, relacionados entre si, acerca do modo como a sociedade deve estar organizada e sobre o que caracteriza uma sociedade justa.
Nome: John Locke

Profissão: Filósofo, Médico

Data de nascimento: 29 de Agosto de 1632; Inglaterra

Data do falecimento: 28 de Outubro de 1704; Inglaterra

Principais interesses: Metafísica, Epistemologia, Filosofia sobre a política, a mente e a educação
Ideias notáveis: Tabula rasa; Lei natural; Direito à vida; Liberdade e Propriedade
No final do século XVII e início do século XVIII, John Locke criou uma nova noção de Estado, de modo a que cada cidadão tenha direito às suas propriedades.
Este filósofo defende que o estado tem origem numa espécie de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se à autoridade de um governo civil; entregando o poder legislativo a quem faz as leis tendo em vista o bem comum e poder executivo a quem as aplica. Locke considera que esse contrato dá origem à transição do estado de natureza para a sociedade civil. Por isso, diz-se que a teoria da justificação do estado de Locke é contratualista.
No estado de natureza, as pessoas viviam, segundo Locke, em perfeita liberdade: cada um era «senhor absoluto da sua pessoa e bens», não tendo de prestar contas nem depender da vontade de quem quer que seja. As pessoas viviam também num estado de completa igualdade, não havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra. Além disso, viviam segundo a lei natural, a qual dispõe que ninguém infrinja os direitos de outrem e que as pessoas não se ofendam mutuamente.
Locke defendia que esta lei se descobre com o uso da razão natural, pelo que é comum a todas as pessoas, independente de quaisquer convenções humanas.
Deste modo, Locke distinguia a lei natural das chamadas «leis positivas» da sociedade civil. As leis positivas, são as que resultam das convenções humanas; são as leis que realmente existem nas sociedades organizadas em estados. Enquanto no estado de natureza, as pessoas nada têm acima de si, a não ser a lei natural, na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se à autoridade de um governo. A única lei que vigora no estado de natureza é, pois, a lei natural. Locke distingue a lei natural da lei positiva, mas também da lei divina:
Lei natural
• É dada pela natureza;
• É racional, porque é descoberta apenas pela razão e porque agir
contra a lei natural é agir contra a razão;
• É universal, porque é comum a todas as pessoas;
• É independente das convenções humanas, pois não dependem do
sítio e da época em que as pessoas vivem.
Lei positiva
  • É convencional, pois é aplicada apenas nos sítios em que essa
    convenção foi estabelecida.
Lei divina
• É revelada por Deus através dos profetas e das escrituras;
• Aplica-se àqueles a quem Deus escolheu revelá-la.
Locke defende que a lei natural é normativa: determina como as pessoas racionais devem agir e não como de facto agem.
Por outro lado, a lei natural e a lei divina, apesar de não serem a mesma coisa, não podem ser incompatíveis, pois Deus é a origem de ambas. Dado que, no estado de natureza, as pessoas vivem de acordo com a lei natural, têm os direitos decorrentes da aplicação dessa lei. Assim:
· Todas as pessoas são iguais, pois têm exactamente o mesmo conjunto de direitos naturais;
· Todas as pessoas têm o direito de ajuizar por si as acções que estão ou não de acordo com a lei natural, pois ninguém tem acesso privilegiado à lei natural, nem autoridade especial para julgar os outros;
· Todas as pessoas têm individualmente o direito de se defender – usando a força, se necessário – daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural, pois, esta existiria em vão, se ninguém a fizesse cumprir;
· Todas as pessoas têm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a lei natural, assim como direito de aplicar essa pena, dado que num estado de perfeita igualdade, a legitimidade para fazê-lo é rigorosamente a mesma para todos.
· O estado de natureza não só é diferente da sociedade civil como, segundo Locke, do estado de guerra, pois neste, não há lei que valha e as pessoas não têm direitos.

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situação de abundância de recursos e em que cada pessoa é livre de se apropriar das terras e bens disponíveis, através do seu trabalho e esforço.
O contrato social e a origem do governo
Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas – exceptuando os casos de auto-defesa ou de execução da lei natural – só é legítimo se tiver o seu consentimento. Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos naturais. Assim, a existência de um poder político só pode ter tido origem num acordo, ou contrato, entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil. E esse acordo, só faz sentido, se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso.
Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase perfeito, não deixa de reconhecer alguns inconvenientes que iriam tornar a vida demasiado instável e insegura. Isto porque, há sempre quem, movido pelo interesse, valha pela ganância ou pela ignorância, se recuse a observar a lei natural, ameaçando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia.
Locke dá o nome genérico de «propriedade» não apenas aos bens materiais das pessoas, mas a tudo o que lhes pertence, incluindo as suas vidas e liberdades.Assim, parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da protecção e estabilidade que só o governo pode garantir.
Locke torna esta ideia mais precisa indicando três coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder político está em condições de garantir:
1. Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceite por consentimento, que sirva de padrão comum para decidir os desacordos sobre aspectos particulares de aplicação da
lei natural. Isto porque, apesar de a lei natural ser clara, as pessoas podem compreendê-la mal e divergir quando se trata da sua aplicação a casos concretos.

2. Falta um juíz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que haja
juízes em causa própria. Isto porque, quando as pessoas julgam em causa própria
têm tendência para ser parciais e injustas.

3. Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenças justas, evitando que aqueles que são fisicamente mais fracos ou em menor número, sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior número.
É para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir mão dos privilégios do estado de natureza, cedendo o poder de executar a lei àqueles que forem escolhidos segundo as regras da comunidade. E ainda que se possa dizer que ninguém nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil.
Locke defende que, a partir do momento em que usufruímos das suas vantagens, estamos a dar o nosso consentimento tácito. Caso contrário, teríamos de recusar os benefícios do estado e de viver à margem da sociedade.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Filosofia: Nietzsche e o Sofrimento

SARA TAVARES Ponto de Luz Richard Jay Remix

"Ponto de Luz"

Sara Tavares

Escutando no vento

Tua voz secreta

Que me sopra por dentro

Deixe-me ser só ser

No teu colo eu me entrego

Para que me nutras

E me envolvas

Deixa-me ser só ser

Um ponto de luz

Que me seduz

Aceso na alma

Um ponto de luz

Que me conduz

Aceso na alma

Por trás dessa nuvem

Ardendo no céu

O fogo do sol raia

Eternamente quente

Liberta-me a mente

Liberta-me a mente

Um ponto de luz

Que me seduz

Aceso na alma

Um ponto de luz

Que me seduz

Aceso na alma

domingo, 11 de abril de 2010


Ética, o Direito e a Política

Depois da leitura e análise das páginas 145 até 152 do manual de Filosofia, concluo que a Ética, o Direito e a Política, são interdependentes entre si.
Estes três conceitos estão relacionados já que todos se referem a perspectivas reguladoras da nossa experiencia convivencial com o outro. Como já vimos atrás a ética possui um valor pessoal para o sujeito.
O agente moral possui assim, uma intenção e um determinado fim que pretende atingir com a sua acção, dispondo da sua consciência moral. Esta consciência, é uma espécie de tribunal interno que permite ao indivíduo avaliar os seus actos, em função dos critérios do bem e do mal.
Portanto, a ética convive com as intenções de um determinado sujeito. Quando as vontades individuais sobrepõem-se ao que está socialmente estabelecido, geram – se conflitos convivenciais, comprometendo o normal funcionamento da comunidade.
Para regular a actuação das pessoas nas sociedades, foram criados o direito e a política.
O primeiro responde á necessidade de se estabelecer normas jurídicas que regulamentam a convivência das pessoas na sociedade.


NORMAS MORAIS
NORMAS JURÍDICAS

Preceitos ideais; Autoridade Pública;
Indicam o modo segundo o qual as pessoas devem agir e comportar-se bem; Possui meios coercivos (a agentes para zelar a aplicação das leis e sanções definidas para a punição);
Promove a dignidade dos seres humanos; Intersubjectividade;
Universalidade; Estado – autoridade que limita as liberdades individuais. Promove o bem-estar social;
Carência em meios coercivos; Plano Social e político interligado – concretização de princípios de ordem ética.
Não possui meios para zelar pelo seu cumprimento.




I. Liberdade e Justiça Social


Aquilo a que chamamos “Liberdade” nem sempre foi assim, pois esta corresponde a uma conquista progressiva da humanidade, atravessada por reveses e vicissitudes da vida. Nesta evolução mental e de atitudes no que respeita ao reconhecimento dos direitos humanos distinguem-se algumas gerações.

1ª Geração: LIBERDADES INDIVIDUAIS
Nesta geração surgem as liberdades individuais e os direitos de participação política. Surgiu como resultado do liberalismo.
ESTADO DE DIREITO: sistema político que respeita as liberdades básicas de tal modo que ninguém se encontra acima da lei, nem mesmo o próprio Estado.

2ª Geração: JUSTIÇA SOCIAL


Surgem os direitos económicos, sociais e culturais. Surgiu também o conceito de Justiça Social de foram a minorar as desigualdades entre as pessoas.

ESTADO SOCIAL DE DIREITO: sistema político que respeita, além da igualdade dos cidadãos perante a lei, o direito de acesso aos bens básicos para poderem participar na vida política e cultural.

JUSTIÇA SOCIAL: aparece como a tentativa de instauração na prática social do verdadeiro sentido da justiça, na medida em que se esforça por amenizar as diferenças económicas, sociais e culturais existentes no seio das sociedades. Porém, é a justiça social e as instituições que têm a seu cargo promovê-la fundamentam as suas actuações na natureza social do homem e na finalidade social da riqueza e de outros bens.

3ª Geração: JUSTIÇA INTERNACIONAL

Nesta geração (que é recente) luta-se pelos direitos básicos muito gerais que estão directamente relacionados com:
• Viver numa sociedade em estado de paz;
• Desenvolver-se num meio ambiente ecologicamente saudável.






II. Responsabilidade pelas gerações vindouras

Nós, seres humanos, vivemos numa ilusão de bem-estar. Isto acontece porque falta - nos o lado humano, assim como nos progredir em termos de sociedade, de solidariedade, igualdade e de liberdade, que têm de passar a ser factos.

Pois, não basta ser “ um cidadão do mundo” apenas no presente, mas sim do futuro. E como diz Alvin Toffler, 'temos que ser contemporâneos do futuro'. Não em termos pessoais, mas “cidadão do mundo” das gerações vindouras.

sábado, 10 de abril de 2010

Capítulo 4: “A dimensão ético-política”

I. Ética, direito e política

A ética, direito e política são conceitos que se referem a perspectivas reguladoras da nossa experiência convencional. No entanto, o direito e a política intervêm no sentido de regulamentar a actuação das pessoas na sociedade.

Ética: (valorização da dimensão pessoal) é uma área interior em que se lida com as intenções do sujeito, mas a acção extravasa para o exterior, ou seja, podem comprometer o normal funcionamento da comunidade.

Direito: foi uma criação baseada na necessidade de estabelecer normas jurídicas que regulam o convívio entre as pessoas, de modo a verificar-se o mínimo de “ atropelos”.


Porém, existem normas de dois tipos:

NORMAS MORAIS: são preceitos ideais, na medida em que indicam o modo segundo o qual as pessoas devem agir se desejam comportar-se bem. Visando promover a dignidade de todos os seres humanos, estas normas tendem para a universalidade. Isto é, experienciam-se no plano da subjectividade e o seu não cumprimento de condutas ilegítimas.

NORMAS JURÍDICAS: o cumprimento confronta-se com a autoridade pública, que dispõe de meios coercivos para as fazer cumprir. Estas situam-se num plano intersubjectivo, e a sua não observância determina comportamentos ilegais (contrários à lei).

II. Liberdade e Justiça Social

Aquilo a que chamamos “Liberdade” nem sempre foi assim, pois esta corresponde a uma conquista progressiva da humanidade, atravessada por reveses e vicissitudes da vida (exemplo: A revolução dos cravos – 25 de Abril de 1974).
Nesta evolução mental e de atitudes no que respeita ao reconhecimento dos direitos humanos distinguem-se algumas gerações.

1ª Geração: LIBERDADES INDIVIDUAIS

Surgem as liberdades individuais e os direitos de participação política, como resultado da reivindicação do liberalismo dos séculos XVII e XVIII face às monarquias absolutas. Com o Estado de direito.

ESTADO DE DIREITO: sistema político que respeita as liberdades básicas de tal modo que ninguém se encontra acima da lei, nem mesmo o próprio Estado.

(Direitos: civis e políticos; Valor: Liberdade; Modelo de Estado: Estado de Direito)

2ª Geração: JUSTIÇA SOCIAL

Surgem os Direitos económicos, sociais e culturais. A consciência de disparidades sociais como estas levou a que se começasse a desenhar o conceito de JUSTIÇA SOCIAL, que tinha por objectivo minorar as desigualdades entre as pessoas. Portanto, exige que o produto social seja distribuído de modo justo e equitativo.

ESTADO SOCIAL DE DIREITO: sistema político que respeita, além da igualdade dos cidadãos perante a lei, o direito de acesso aos bens básicos para poderem participar na vida política e cultural.

JUSTIÇA SOCIAL: aparece como a tentativa de instauração na prática social do verdadeiro sentido da justiça, na medida em que se esforça por amenizar as diferenças económicas, sociais e culturais existentes no seio das sociedades. Porém, é a justiça social e as instituições que têm a seu cargo promovê-la fundamentam as suas actuações na natureza social do homem e na finalidade social da riqueza e de outros bens.

(Direitos: económicos, sociais e culturais; Valor: igualdade; Modelo de Estado: Estado Social de Direito)

3ª Geração: JUSTIÇA INTERNACIONAL

Nesta etapa luta-se por direitos básicos muito gerais, mas sem os quais o exercício dos direitos anteriores ficaria comprometido. Ou seja, entende-se por JUSTIÇA INTERNACIONAL, a promoção por organizações, o que implica que os Estados não renunciem toda a autoridade nacional, mas ao carácter absoluto da sua soberania. Por outras palavras, implica que as grandes nações aceitem algumas restrições de direito, exigidas pela constituição de organizações supranacionais.

(Direitos: paz e ambiente saudável; Valor: solidariedade; Modelo de Estado: Estado Solidário)

III. Responsabilidade pelas gerações vindouras

Nós, seres humanos, vivemos numa ilusão de bem-estar e vamos tomando consciência de que o poderio técnico e material não passa de um aspecto que talvez não tenha a relevância que sonhámos. Isto acontece porque nos falta o lado humano, assim como nos falta progredir em termos de sociedade, de solidariedade, igualdade e de liberdade, que têm de passar a ser factos.

Pois, não basta ser “ um cidadão do mundo” apenas no presente, mas sim do futuro. E como diz Alvin Toffler, 'temos que ser contemporâneos do futuro'. Não em termos pessoais, mas “cidadão do mundo” das gerações vindouras.

IV. Igualdade e diferenças

A IGUALDADE é um valor a progredir ao longo da história. A nível filosófico, esta questão tem suscitado, ao longo do tempo profundas reflexões, se bem que o conceito de IGUALDADE tenha aparecido diferentemente interpretado.

Para Platão a Igualdade era um conceito amplo, contrariamente a Aristóteles.

Aristóteles conferiu à igualdade um significado mais restrito, concebendo-a como virtude do “igual”, reguladora da convivência humana.
A partir desta matriz começou-se a manter indissociavelmente ligadas as ideias de JUSTIÇA e de IGUALDADE.

A “IGUALDADE” aristotélica manifesta-se de 3 maneiras:

Justiça comutativa: que se estabelece nas relações entre os indivíduos, com base na igualdade ou equivalência.

Justiça distributiva: que regula as actuações da sociedade em relação aos indivíduos, e que se pratica na distribuição; ou seja, os benefícios e riquezas serão repartidos em função da situação das pessoas no que respeita a méritos e dignidade.

Justiça legal: que regula as actuações dos indivíduos em relação à comunidade, tratando dos aspectos relacionados com o cumprimento das leis, ou seja, a justiça é o mesmo que legalidade.

No entanto, este conceito aristotélico de IGUALDADE alterou-se na Idade Moderna, que começou a impor um novo conceito onde todos os Homens são iguais perante a lei e todos possuem igualdade de direitos. É neste contexto de igualdade que se supõe que o sentido das ideias referem-se ao respeito pela dignidade humana.
Porém, o reconhecimento de uma igualdade fundamental não impede, na actualidade, o reconhecimento de diferenças. Permanece a ideia de uma igualdade proporcional, mas com a intenção de construir para uma maior simetria, para o incremento de uma igualdade de facto, com especial atenção aos seres humanos mais desfavorecidos.

V. Justiça e Equidade

A propósito da Justiça Distributiva, vimos que a teoria aristotélica já apresentava o conceito de distribuição equitativa. Porém, actualmente, segundo John Rawls, EQUIDADE toma um novo sentido.

Para Rawls, a sociedade é um conjunto de pessoas cujas relações se regulam por alguns princípios de JUSTIÇA que têm que se impor com a força de imperativos categóricos, estando de acordo com o critério da universalidade. Tais normas de justiça terão que possuir um carácter contratual e social. De modo, a organizar a sociedade de acordo com uma justiça imparcial ou equitativa.
A tese de Rawls sintetiza-se numa concepção geral de equidade, que se desenvolve em torno dos Princípios da IGUALDADE e da DIFERENÇA.

P. IGUALDADE: refere-se a um conjunto de liberdades fundamentais e exprime o regime de igualdade que lhes corresponde. Tem prioridade sobre o segundo, de acordo com a sua concepção de que ‘o bem colectivo é superior ao bem individual’.

P. DIFERENÇA: garante a protecção civil, aplicando a distribuição de benefícios e exprime um regime de igualdade distinto do pressuposto no princípio anterior.

Portanto, a TEORIA DA JUSTIÇA de Rawls situa-se na “justiça do agente”, isto é que os princípios (posição original) que se regem a sociedade são justos se derivam de um determinado agente fictício que se supõe ser imparcial (véu de ignorância), livre e racional (acordo original). O que implica que os princípios de justiça só possam ser encontrados por um observador ideal.

terça-feira, 6 de abril de 2010

"Consultório da sabedoria" - Revista Super Interessante, nº143

Dez conselhos dos grandes pensadores

O mundo em que vivemos continua a precisar de receitas escritas à séculos, por isso aqui vão algumas respostas de filósofos que já reflectiram sobre muitas das nossas inquietações presentes. Aproveitemos a sua sabedoria.

"Considero-me mal pago"
Responde Nietzsche: "Não admira! O salário é a arma moderna da escravidão. Se não se envergonha de ser utilizado como engrenagem numa máquina e acredita que pode reemdiar tudo À custa da sua prórpia angústis e a troco de um ordenado mais elevado, então vamos lá falar do seu servilismo"

"Estou sempre aborrecido"
Responde Schopenhauer: "Tanto melhor! O aborrecimento ajuda a dissipar uma ilusão que cega a maioria dos homens: o caminho para a felicidade. Não vos dais conta de que a hora do tédio chega quando o desejo é satisfeito?"

"Sinto uma grande atracção"
Responde Sócrates: "Nesse caso, ceda aos desejos, pois corre o risco de se tornar ainda maior, passando de simples necessidade a um verdadeiro tormento. Assim, deixe-se ir, mas não se esqueça de que, uma vez consumado, o desejo renascerá e tornar-se-á insaciável".

"Só acredito no que vejo"
Responde Santo Agostinho: "Não se trata de um acto de sabedoria, mas de uma desconfiança abominável. Se não acreditarmos naquilo que não vemos, se negarmos os desejos aos homens porque escapam ao nosso olhar, reinará tal desordem na sociedade que tudo ficará virado do avesso"

"Ninguém me leva a sério"
Responde Confúcio: "É porque fala demais. Não fale bem de si próprio, pois não o acreditarão; nem mal, pois não acreditarão muito. O homem perfeito fala pouco. O silêncio é uma amigo que nunca nos atraiçoa".

"Tenho uma aparência horrível"
Responde Kant: "Qualquer critério de gosto é unicamente contemplativo, e não faz mais do que vincular a sua natureza com um sentimento de prazer ou de pena. Esse critério de gosto não representa, pois, um critério de conhecimento e não é, por conseguinte, lógico. Refere-se apenas a uma pura e simples interpretação".

"Não posso fazer nada para mudar o mundo"
Responde Hans Jonas: "Nada mais falso. Uma ascese da moderação livremente consentida por cada um de nós pode permitir ao conjunto da humanidade evitar o pior".

"Não consigo decidir-me casar"
Responde Kierkegaard: "Paciência. Encontra-se apenas numa fase estética do amor. Mais avançada do que a simples aventura, em que apenas se procura a si próprio no outro, a fase estética é a da indecisão caprichosa, quando o rosto da pessoa amada ainda pode ser decifrado noutro rosto. O casamento só é exequível na etapa seguinte, a fase ética do amor, a da escolhe ponderada".

"Receio a morte"
Responde Epicuro: "É estúpido afligir-se por a morte nos esperar, pois trata-se de algo que, depois de chegar, já não nos pode fazer mal. Habitue-se a pensar que a morte não é nada: enquanto estamos vivos, não faz parte dos nossos desígnios; quando estamos mortos, já deixámos de existir. Estúpido é aquele que declara recear a morte, por ser assustador esperá-la".

"Sinto vergonha de mim"
Responde Sartre: "Isso acontece porque a imagem que oferece aos outros é determinada pela falsa convicção de que está sempre a ser julgado pelas pessoas que o rodeiam. Quando eu faço um gesto grosseiro ou vulgar, esse gesto fica comigo, sem que eu o julgue. Todavia, se o Outro me viu, tomo consciência da vulgaridade do gesto e então, sim, sinto vergonha".

Se quiseres saber um pouco mais destes filósofos, ou perceber melhor estas suas citações, compra a Super Interessante nº143, ou pede-ma na escola.

Ética, direito e política

Entrevista(*) relacionada com a ética, o direito e política, inseridos no tema “A dimensão ético-política: análise e compreensão da experiência convivencial”
* Não foi realmente uma entrevista

Ética, direito e política. Em que se relacionam estes três conceitos?
Ética, direito e política são conceitos relacionados: todos eles referem-se a perspectivas reguladoras da nossa experiencia convivencial.

O que é a ética? Não basta a existência da ética para regular a nossa experiência convivencial?
A ética tem uma dimensão pessoal: cada um de nós é um agente moral que decide como agir, em função de motivos e de metas particulares. Por isso, dispomos de um tribunal interno, a consciência moral, que nos julga, nos condena e no pune, em função dos actos por nós praticados.
A ética é uma área interior que lida com as intenções do sujeito. No entanto, a acção extravasa para o exterior, e muitas vezes os actos de cada um afectam as pessoas em seu redor. Geram-se conflitos que comprometem o normal funcionamento da comunidade, nos quais a acção ditada pela vontade individual colide com o que está socialmente estabelecido.

E o que fazer para evitar esses conflitos?
Para evitar estes conflitos, é necessário que a perspectiva ética seja completada por outras configurações convivenciais, como o direito e a política, que intervêm no sentido de regulamentar a actuação das pessoas na sociedade.
A criação do direito corresponde à necessidade de estabelecer normas jurídicas, que regulem o convívio entre as pessoas.

Que diferença existe entre normas morais e normas jurídicas?
As normas morais são preceitos ideais, pois indicam o modo segundo o qual as pessoas devem agir se desejam comportar-se bem. Estas normas tendem para a universalidade, e visam promover a dignidade de todos os seres humanos. Apesar disso, carecem de poder coercivo, pois não existem meios institucionalizados para zelar pelo seu cumprimento. As pessoas simplesmente prestam contas à sua consciência moral.
Pelo contrário, o incumprimento das normas jurídicas confronta-se com a autoridade pública, que dispõe de meios coercivos para as fazer cumprir. Enquanto que as normas morais se experienciam no campo da subjectividade e o seu não cumprimento determina condutas ilegítimas, as normas jurídicas situam-se num plano intersubjectivo e o seu não cumprimento determina comportamentos ilegais.
O ser humano integra-se numa sociedade politicamente organizada, ou seja, num Estado. O Estado é detentor da autoridade que limita as liberdades individuais. Falar de Estado é falar de uma comunidade em que o plano social e o plano político se encontram interligados, com viste à concretização de princípios de ordem ética. O ideal é que os seres humanos de sintam a viver numa sociedade cuja organização politica está apostada no respeito pelas liberdade individuais, na defesa da dignidade e dos direitos humanos, na promoção da justiça, da solidariedade e do interesse pela participação e intervenção democráticas.

Pode-nos dar alguns exemplos?
Claro. Por exemplo, ninguém é preso por trair um amigo ou por não ter contribuído para instituições de solidariedade social – isto demonstra que as normas morais carecem de poder coercivo. No entanto, pessoas que conduzam sob o efeito de álcool e pessoas que cometam roubos, mesmo que isso não as afecte em termos de consciência moral, a sociedade dispõe de agentes para zelas pela aplicação das leis e de sanções definidas para as punir.

Sempre existiu liberdade e justiça social?
Não, aquilo que actualmente nos parece tão óbvio, natural e inquestionável corresponde a uma conquista progressiva da humanidade, nem sempre feita pacífica e linearmente. Nesta evolução mental e de atitudes no que respeita ao reconhecimento dos direitos humanos distinguem-se algumas etapas, a que também de dá o nome de gerações.

Pode-nos falar um pouco de cada uma dessas etapas?
Claro. Na primeira geração surgem as liberdades individuais e os direitos de participação política, como resultado da reivindicação do liberalismo. Todos os direitos que surgiram estão relacionados com o conceito de Estado de direito, que é um sistema político que respeita as liberdades básicas de tal modo que ninguém se encontra acima da lei, nem mesmo o próprio Estado.
Na segunda geração surgem os direitos económicos, sociais e culturais, que se deveram à luta protagonizada pelos movimentos de trabalhadores. É que, mesmo nos estados em que vigorava o princípio da legalidade, foi possível o aparecimento de situações de injustiça, que levaram a que se começasse a desenhar o conceito de justiça social, que tinha por objectivo minorar as desigualdades entre as pessoas. O conjunto de direitos que surgiram, em conjugação com os da primeira geração, configurou um novo modelo de Estado que se designa por Estado Social de Direito. O Estado Social de Direito é um sistema político que respeita a igualdade dos cidadãos perante a lei e o direito de acesso aos bens básicos para poderem participar na vida política e cultural. O conceito de justiça social aparece como a tentativa de instauração na prática social do verdadeiro sentido de justiça.
Na terceira geração luta-se por direitos básicos muito gerais. A interdependência, os conflitos internacionais, a existência de problemas comuns e a incapacidade de serem resolvidos a nível nacional deram origem a uma confederação que progressivamente se foi alargando a todo o planeta, com, por exemplo, o nascimento da Sociedade das Nações e da Organização das Nações Unidas. As organizações internacionais têm objectivos diferenciados, embora todas se enquadrem no mesmo espírito: a promoção de um equilíbrio entre os povos, de modo a que se concretizem os princípios da solidariedade internacional. A justiça internacional implica que as grandes nações aceitem algumas restrições de direito, exigidas pela constituição de organismos supranacionais.

Somos cada vez uma população mais avançada em termos técnicos e materiais. Será que isso chega?
O poderio técnico e material não passa de um aspecto que talvez não tenha a relevância que sonhamos. Nós temos apenas uma ilusão do bem-estar, pois falta-nos o lado mais humano, falta-nos progredir em termos de pessoas, e a solidariedade, a igualdade e a liberdade têm de passar a ser factos. Não basta ser “cidadão do mundo” do presente, mas do futuro, temos de ser contemporâneos do futuro. Mas não do futuro em termos pessoais, mas do das gerações vindouras.

O conceito de justiça e igualdade foi sempre o mesmo, ao longo dos anos? Como via Aristóteles estes conceitos?
Não. A nível filosófico, esses conceitos têm suscitado, ao longo do tempo, profundas e belas reflexões, se bem que tenham aparecido diferentemente interpretados.
Platão tinha um conceito muito amplo de justiça, e Aristóteles conferiu-lhe um significado mais restrito, concebendo-a como a virtude do “igual”, reguladora da convivência humana. A igualdade aristotélica manifesta-se de três maneiras, dando origem a três conceitos de justiça: a justiça comutativa – que se estabelece nas relações entre os indivíduos, com base na igualdade ou equivalência –, a justiça distributiva – que regula as actuações da sociedade em relação aos indivíduos, e que se pratica na distribuição de honras, dinheiro ou qualquer outra coisa com base numa igualdade proporcional –, e a justiça legal – que regula as actuações dos indivíduos em relação à comunidade, tratando dos aspectos relacionados com o cumprimento das leis.

A concepção de justiça aristotélica mantém-se inalterada?
Não. Uma nova mentalidade surgiu com o Renascimento, e começa a impor-se um outro conceito de igualdade, onde todos os Homens são iguais perante a lei e todos possuem igualdade de direitos. É neste contexto que se pode entender o sentido das ideias referentes ao respeito pela dignidade humana.
No entanto, o reconhecimento de uma igualdade fundamental não impede, na actualidade, o reconhecimento de diferenças. Permanece a ideia de uma igualdade proporcional, mas com a intenção de contribuir para uma maior simetria, para o incremento de uma igualdade de facto, com especial atenção aos seres humanos mais desfavorecidos.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

"Às vezes é preciso aprender a perder, a ouvir e não responder, a falar sem nada dizer, a esconder o que mais queremos mostrar, a dar sem receber, sem cobrar, sem reclamar. Às vezes é preciso respirar fundo e esperar que o tempo nos indique o momento certo para falar e então alinhar as ideias, usar a cabeça e esquecer o coração, dizer tudo o que se tem para dizer, não ter medo de dizer não, não esquecer nenhuma ideia, nenhum pormenor, deixar tudo bem claro em cima da mesa para que não restem dúvidas e não duvidar nunca daquilo que estamos a dizer.
E mesmo que a voz trema por dentro, há que fazê-la sair firme e serena, e mesmo que se oiça o coração bater desordenadamente fora do peito é preciso domá-lo, acalmá-lo, ordenar-lhe que bata mais devagar e faça menos alarido, e esperar, esperar que ele obedeça, que se esqueça, apagar-lhe a memória, o desejo, a saudade, a vontade.
Às vezes é preciso partir antes do tempo, dizer aquilo que se teme dizer, arrumar a casa e a cabeça, limpar a alma e prepará-la para um futuro incerto, acreditar que esse futuro é bom e afinal já está perto, apertar as mãos uma contra a outra e rezar a um deus qualquer que nos dê força e serenidade. Pensar que o tempo está a nosso favor, que o destino e as circunstâncias de encarregarão de atenuar a nossa dor e de a transformar numa recordação ténue e fechada num passado sem retorno que teve o seu tempo e a sua época e que um dia também teve o seu fim.
Às vezes mais vale desistir do que insistir, esquecer do que querer, arrumar do que cultivar, anular do que desejar. No ar ficará para sempre a dúvida se fizemos bem, mas pelo menos temos a paz de ter feito aquilo que devia ser feito, somos outra vez donos da nossa vida e tudo é outra vez mais fácil, mais simples, mais leve, melhor.Às vezes é preciso mudar o que parece não ter solução, deitar tudo abaixo para voltar a construir do zero, bater com a porta e apanhar o último comboio no derradeiro momento e sem olhar para trás, abrir a janela e jogar tudo borda fora, queimar cartas e fotografias, esquecer a voz e o cheiro, as mãos e a cor da pele, apagar a memória sem medo de a perder para sempre, esquecer tudo, cada momento, cada minuto, cada passo e cada palavra, cada promessa e cada desilusão, atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar a chave fora, ou então pedir a alguém que guarde tudo num cofre e que a seguir esqueça o segredo.
Às vezes é preciso saber renunciar, não aceitar, não cooperar, não ouvir nem contemporizar, não pedir nem dar, não aceitar sem participar, sair pela porta da frente sem a fechar, pedir silêncio e paz e sossego, sem dor, sem tristeza e sem medo de partir. E partir para outro mundo, para outro lugar, mesmo quando o que mais queremos é ficar, permanecer, construir, investir, amar.
Porque quem parte é quem sabe para onde vai, quem escolhe o seu caminho e mesmo que não haja caminho porque o caminho se faz a andar, o sol, o vento, o céu e o cheiro do mar são os nossos guias, a única companhia, a certeza que fizemos bem e que não podia ser de outra maneira. Quem fica, fica a ver, a pensar, a meditar, a lembrar. Até se conformar e um dia então esquecer."

Margarida Rebelo Pinto.