sexta-feira, 30 de abril de 2010

Ética, direito e política: A justificação contratualista de Locke

A filosofia do direito e a filosofia política são áreas profundamente ligadas à ética. A ética trata, em termos gerais, da questão de saber como viver. Ora, o facto de vivermos em sociedade, levanta a questão de saber como a devemos organizar.
As sociedades regem-se por várias instituições legais; por isso, é importante saber como se justificam essas instituições e compreender a relação entre as leis e a moral. Assim, nestas três disciplinas discute-se problemas, relacionados entre si, acerca do modo como a sociedade deve estar organizada e sobre o que caracteriza uma sociedade justa.
Nome: John Locke

Profissão: Filósofo, Médico

Data de nascimento: 29 de Agosto de 1632; Inglaterra

Data do falecimento: 28 de Outubro de 1704; Inglaterra

Principais interesses: Metafísica, Epistemologia, Filosofia sobre a política, a mente e a educação
Ideias notáveis: Tabula rasa; Lei natural; Direito à vida; Liberdade e Propriedade
No final do século XVII e início do século XVIII, John Locke criou uma nova noção de Estado, de modo a que cada cidadão tenha direito às suas propriedades.
Este filósofo defende que o estado tem origem numa espécie de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se à autoridade de um governo civil; entregando o poder legislativo a quem faz as leis tendo em vista o bem comum e poder executivo a quem as aplica. Locke considera que esse contrato dá origem à transição do estado de natureza para a sociedade civil. Por isso, diz-se que a teoria da justificação do estado de Locke é contratualista.
No estado de natureza, as pessoas viviam, segundo Locke, em perfeita liberdade: cada um era «senhor absoluto da sua pessoa e bens», não tendo de prestar contas nem depender da vontade de quem quer que seja. As pessoas viviam também num estado de completa igualdade, não havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra. Além disso, viviam segundo a lei natural, a qual dispõe que ninguém infrinja os direitos de outrem e que as pessoas não se ofendam mutuamente.
Locke defendia que esta lei se descobre com o uso da razão natural, pelo que é comum a todas as pessoas, independente de quaisquer convenções humanas.
Deste modo, Locke distinguia a lei natural das chamadas «leis positivas» da sociedade civil. As leis positivas, são as que resultam das convenções humanas; são as leis que realmente existem nas sociedades organizadas em estados. Enquanto no estado de natureza, as pessoas nada têm acima de si, a não ser a lei natural, na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se à autoridade de um governo. A única lei que vigora no estado de natureza é, pois, a lei natural. Locke distingue a lei natural da lei positiva, mas também da lei divina:
Lei natural
• É dada pela natureza;
• É racional, porque é descoberta apenas pela razão e porque agir
contra a lei natural é agir contra a razão;
• É universal, porque é comum a todas as pessoas;
• É independente das convenções humanas, pois não dependem do
sítio e da época em que as pessoas vivem.
Lei positiva
  • É convencional, pois é aplicada apenas nos sítios em que essa
    convenção foi estabelecida.
Lei divina
• É revelada por Deus através dos profetas e das escrituras;
• Aplica-se àqueles a quem Deus escolheu revelá-la.
Locke defende que a lei natural é normativa: determina como as pessoas racionais devem agir e não como de facto agem.
Por outro lado, a lei natural e a lei divina, apesar de não serem a mesma coisa, não podem ser incompatíveis, pois Deus é a origem de ambas. Dado que, no estado de natureza, as pessoas vivem de acordo com a lei natural, têm os direitos decorrentes da aplicação dessa lei. Assim:
· Todas as pessoas são iguais, pois têm exactamente o mesmo conjunto de direitos naturais;
· Todas as pessoas têm o direito de ajuizar por si as acções que estão ou não de acordo com a lei natural, pois ninguém tem acesso privilegiado à lei natural, nem autoridade especial para julgar os outros;
· Todas as pessoas têm individualmente o direito de se defender – usando a força, se necessário – daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural, pois, esta existiria em vão, se ninguém a fizesse cumprir;
· Todas as pessoas têm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a lei natural, assim como direito de aplicar essa pena, dado que num estado de perfeita igualdade, a legitimidade para fazê-lo é rigorosamente a mesma para todos.
· O estado de natureza não só é diferente da sociedade civil como, segundo Locke, do estado de guerra, pois neste, não há lei que valha e as pessoas não têm direitos.

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situação de abundância de recursos e em que cada pessoa é livre de se apropriar das terras e bens disponíveis, através do seu trabalho e esforço.
O contrato social e a origem do governo
Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas – exceptuando os casos de auto-defesa ou de execução da lei natural – só é legítimo se tiver o seu consentimento. Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos naturais. Assim, a existência de um poder político só pode ter tido origem num acordo, ou contrato, entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil. E esse acordo, só faz sentido, se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso.
Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase perfeito, não deixa de reconhecer alguns inconvenientes que iriam tornar a vida demasiado instável e insegura. Isto porque, há sempre quem, movido pelo interesse, valha pela ganância ou pela ignorância, se recuse a observar a lei natural, ameaçando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia.
Locke dá o nome genérico de «propriedade» não apenas aos bens materiais das pessoas, mas a tudo o que lhes pertence, incluindo as suas vidas e liberdades.Assim, parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da protecção e estabilidade que só o governo pode garantir.
Locke torna esta ideia mais precisa indicando três coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder político está em condições de garantir:
1. Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceite por consentimento, que sirva de padrão comum para decidir os desacordos sobre aspectos particulares de aplicação da
lei natural. Isto porque, apesar de a lei natural ser clara, as pessoas podem compreendê-la mal e divergir quando se trata da sua aplicação a casos concretos.

2. Falta um juíz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que haja
juízes em causa própria. Isto porque, quando as pessoas julgam em causa própria
têm tendência para ser parciais e injustas.

3. Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenças justas, evitando que aqueles que são fisicamente mais fracos ou em menor número, sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior número.
É para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir mão dos privilégios do estado de natureza, cedendo o poder de executar a lei àqueles que forem escolhidos segundo as regras da comunidade. E ainda que se possa dizer que ninguém nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil.
Locke defende que, a partir do momento em que usufruímos das suas vantagens, estamos a dar o nosso consentimento tácito. Caso contrário, teríamos de recusar os benefícios do estado e de viver à margem da sociedade.

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